O homem, desde que é homem, contempla o céu. Digo: desde que é homem, isto é: desde aquilo que é lhe é próprio, desde sua humanidade. Os animais não participam da contemplação. Não volvem o olhar para cima, mas devotam sua vida inteiramente ao que está imediatamente abaixo. Eis uma etimologia de homem: do grego “anô athron“, isto é, olhar para cima. É verdade que também o homem participa da animalidade; de modo especial, quando se alimenta notamos que seu olhar se volve abaixo e, a depender dos seus modos à mesa, assemelha-se em tudo com um animal.
Quando, contudo, o homem contempla, ele é humano. Se o alimento material o obriga a olhar para baixo, a contemplação, que é alimento da alma, o eleva para cima. São duas forças diferentes: uma conduz ao que é corruptível e a outra ao incorruptível. Uma ao material, a outra, ao imaterial. Assim, se é verdade que o humano do homem é sua alma, ainda que unida ao corpo, então a contemplação se apresenta como um ato propriamente humano.
Quando estamos na presença de um céu estrelado, sentimos como que um magnetismo que nos faz olhar para cima. Mas o que o atrai o homem para a contemplação do céu? Aristóteles dizia que o mundo supralunar era povoada por seres perfeitos, porque imóveis, incorruptíveis, imutáveis e eternos. Com efeito, ao olhar para o céu, o homem descobriu não só uma maravilhosa ordem a reger o universo, ou seja, descobriu o Logos que é a razão de tudo que existe, mas também a morada dos deuses. Descobriu, portanto, para onde quer ir.
Aristóteles dizia que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem, visam, miram. Portanto, o bem exerce uma força de atração sobre o homem. O bem não é, portanto, uma força neutra, mas uma força que nos impele para as alturas. Alguns séculos depois, Tomás de Aquino nos disse que a beleza e o bem são realidades conversíveis entre si, dado serem transcendentais. O bem e o belo podem ser distinguidos, mas não podem ser separados. Toda beleza, com efeito, manifesta alguma bondade; e toda bondade, por sua vez, manifesta alguma beleza.
Quem já teve a chance de contemplar um céu verdadeiramente povoado de estrelas e luzes, já percebeu a verdade dessas palavras. Somos atraídos para o olhar, porque o céu é a um só tempo belo e bom; e porque é belo é bom, e porque é bom é belo. O céu, podemos dizer, atrai o olhar do homem e depois o cativa. Deixa o homem cheio de desejo: ele quer unir-se àquela beleza, mas ainda não pode. É precisamente aí que sofre. Porque a beleza nos faz verdadeiramente sofrer.
Faz-nos sofrer porque não podemos ainda unirmo-nos inteira e definitivamente à ela, embora a desejemos ardentemente. E este desejo cresce na medida do nosso conhecimento. Por isso, quanto mais conhecemos, mais desejamos, e quanto mais desejamos, mais amamos. E quanto mais amamos, mais sofremos as delícias do amor e passamos a desprezar tudo aquilo que não é o amado. É por isso que os filósofos antigos, que amavam o Logos, assim como os santos, que amam a Deus, vão se tornando mais e mais incompreensíveis para o homem comum, que está demasiadamente ocupado com seus afazeres cotidianos, e não tem tempo para a Philia, isto é, para o amor-amizade. É por isso que olham para os filósofos e os santos e pensam: como podem ter deixado tudo para trás e desprezado as coisas do mundo? Como podem sofrer a gosto? E a resposta é muito simples, e por isso mesmo nos confunde: é por amor!