Farol Católico

"Vós sois a luz do mundo." Mt 5:13

A conversão de um professor de Harvard ao catolicismo – Roy Schoeman

Esta é a tradução do testemunho de conversão dado pelo professor de Harvard, Roy Schoeman, disponível também pelo canal do YouTube.

1. O começo

“Nasci e cresci judeu, numa família muito judia, em um mundo e numa educação muito judaica. Contudo, entrei na universidade e fui para um Instituto de Tecnologia de Massachusetts – uma universidade técnica científica – e lá perdi minha crença em Deus, perdi minha fé, tornei-me essencialmente ateu.  

Fui para a Harvard Business School e obviamente estava buscando uma carreira bastante mundana e uma perspectiva mundana. Depois de me formar na Harvard Business School, fui convidado a voltar para ingressar no corpo docente, então me vi como professor de marketing na Harvard Business School aos 29 anos.

E embora possa parecer um tanto surpreendente, foi então que “o meu mundo caiu”, porque desde que eu era uma criança eu sabia que deveria haver um significado e um propósito reais para a vida e eu esperava chegar ao significado e propósito reais da vida em algum momento.

Quando fiquei mais velho, na verdade, quando criança, pensei que isso aconteceria no meu bar mitzvah, que é como a confirmação católica quando a criança tem 13 anos e inicia um relacionamento pessoal com Deus. Eu pensei em iniciar um relacionamento pessoal com Deus, mas como isso não aconteceu,  esse dia foi na verdade um dos dias mais tristes da minha vida.

Mas então eu me distraí com uma vida mundana, por assim dizer, no ensino médio e na universidade e na Harvard Business School e assim por diante. Mas sempre pensei que havia algo lá fora que daria um significado real à minha vida, então pensei que seria quando começasse minha carreira. E tive mais sucesso em uma carreira mundana do que jamais havia imaginado sendo professor em Harvard. Mas como ainda não via sentido ou propósito para a vida, caí no desespero mais sombrio da minha vida naquele momento.

2. O estrangeiro com as respostas

 “Certa manhã, eu estava caminhando pela natureza em uma espécie de Reserva Natural perto do oceano – metade pinheiros e metade dunas de areia – e recebi a graça mais espetacular da minha vida.

Eu caminhava perdido em meus pensamentos. Há muito que havia perdido qualquer esperança de acreditar que Deus existia ou algo assim. De um momento para o outro a cortina entre a Terra e o céu desapareceu e eu me encontrei na presença de Deus…

Eu estava plenamente consciente de estar na presença de Deus e vendo minha vida como se eu tivesse morrido e estivesse olhando para minha vida passada na presença de Deus. E vi em um instante muitas, se não a maioria, das verdades da fé católica.

Eu vi que vivemos para sempre; vi que uma reação tem um conteúdo moral que fica gravado para toda a eternidade; vi que tudo o que me aconteceu na vida foi a coisa mais perfeita que poderia ter sido arranjada pelas mãos de um ser onisciente e que me amava, incluindo aquelas coisas que me causaram mais sofrimento na época e que pensei que seriam os maiores desastres.

E vi que meus dois maiores arrependimentos depois de morrer seriam o número um: todo o tempo e energia que desperdicei me preocupando em não ser amado, quando em cada momento da minha existência fui mantido em um oceano de amor maior do que jamais imaginei que pudesse existir vindo deste Deus onisciente e que nos ama por inteiro. Número dois: cada hora que perdi sem fazer nada de valor aos olhos do céu. Vi que aqui estava tão preocupado com o fato de a vida não ter sentido quando na verdade ela tem uma profundidade infinita de significado porque cada momento contém o possibilidade de fazer algo de valor aos olhos do céu e que cada vez que aproveitarmos essa oportunidade seremos verdadeiramente recompensados ​​por ela por toda a eternidade e cada oportunidade que deixarmos escapar e não aproveitarmos será uma oportunidade perdida para sempre.

O aspecto mais impressionante e mais transformador desta experiência foi chegar ao conhecimento íntimo, profundo e certo de que o próprio Deus, o Deus que não apenas criou tudo o que existe, mas criou a própria existência, não apenas me conhecia pelo nome, não apenas se importava sobre mim, mas tem cuidado de mim, controlando tudo o acontece comigo, e realmente sabe como eu me vinha me sentindo a cada momento e se importando com o que eu sinto a cada momento, de uma forma muito real, e que tudo o que me fez feliz o fez feliz e tudo o que me fez triste o fez triste também.

Chegar ao conhecimento disso foi realmente o aspecto transformador mais revolucionário desta experiência. Agora estava claro, e eu sabia que o significado e o propósito da minha vida era adorar e servir ao meu Senhor, Deus e Mestre que estava se revelando a mim, mas eu não sabia ainda o seu nome e eu não poderia pensar no Deus do Antigo Testamento, eu não poderia pensar nesta religião como o Judaísmo. A imagem de Deus que emerge do Antigo Testamento é certamente a imagem de um Deus muito mais distante, severo e afastado da humanidade comum do que esse Deus era. Então eu sabia este era meu Senhor e Deus sobre meu mestre, eu sabia que não queria nada além de servi-lo e adorá-lo adequadamente e não sabia que religião seguir para fazer isso.

Então orei na época.  Na verdade, eu ainda estava engatinhando naquela época, embora tivesse caído no céu, por assim dizer, e pudesse ver o mundo espiritual […]

De qualquer forma, enquanto engatinhava, orei para saber o nome do meu Senhor e Deus e Mestre que estava se revelando a mim para que eu soubesse que religião seguir e orei enquanto caminhava: “Deixe-me saber seu nome, não me importo se você é Buda e eu tiver que me tornar budista, não me importo se o seu nome é Krishna e eu tiver que me tornar hindu, não me importo se o seu nome é Apolo e eu tiver que me tornar um pagão romano, desde que você não seja Cristo e eu tenha que me torna cristão.”

Aquele desejo de não ser Cristo foi porque eu não queria me tornar cristão. E veio do fato de eu ser judeu e não querer passar para o outro lado, o “lado inimigo”.

E ele respeitou isso e não me revelou seu nome, então voltei para casa mais feliz do que nunca em minha vida, sabia que nunca havia motivo para ficar preocupado ou ansioso com nada, pois absolutamente tudo que já aconteceu comigo foi a coisa mais perfeita que poderia ser arranjada e vinda de um Deus onisciente e amoroso.

E eu sabia que se eu correspondesse haveria uma eternidade de felicidade, bem-aventurança e perfeição maior do que jamais poderíamos imaginar. Assim, tudo que eu queria fazer era saber o nome do meu Senhor e Deus e mestre que se revelou a mim e que religião seguir para agradá-lo… E eu não tinha ideia, já que tinha sido uma experiência mística.

Eu me virei naquela direção para descobrir mais sobre isso, o que foi uma coisa muito imprudente de se fazer e procurei algumas orientações new age um tanto tolas, mas também decidi fazer algo que renderia muitos frutos. Todas as noites antes de dormir eu faria uma breve oração para saber o nome do meu Senhor e Deus e mestre que se revelou a mim naquela experiência.

3. A senhora de belíssima voz

No ano seguinte àquela primeira experiência, fui dormir depois de ter rezado aquela oração e também depois de ter feito uma oração de Ação de Graças pelo que aconteceu exatamente um ano antes. Fui dormir e de repente fui acordado com a mão gentilmente no meu ombro. Encontrei-me em um quarto e fiquei sozinho com a mulher mais linda que eu poderia imaginar. E eu sabia sem que me dissessem que era a Santíssima Virgem Maria. Quando me encontrei em sua presença tudo que eu queria fazer era honrá-la adequadamente. Na verdade, o primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi, meu Deus, eu gostaria de pelo menos saber a Ave Maria, mas não sabia.

A primeira coisa que ela me disse foi que estava pronta para responder a qualquer pergunta que eu pudesse ter. Então meu primeiro pensamento foi que eu queria pedir a ela que me ensinasse a Ave Maria para que eu pudesse honrá-la adequadamente. Mas não consegui pedir diretamente, pois eu era orgulhoso demais para admitir que eu não sabia. Eu perguntei então qual era sua oração favorita, pois era uma forma indireta de fazer com que ela me ensinasse a Ave Maria. Ela foi um pouco tímida em sua resposta. Ela disse: “Eu amo todas as orações”. Mas eu fui um pouco insistente e repliquei: “Mas você deve amar algumas orações mais do que outras”. E ela recitou então uma oração em português. Mas eu não sabia nenhuma palavra em português.  Então tudo que pude fazer foi tentar lembrar as primeiras sílabas foneticamente. Na manhã seguinte, assim que acordei, escrevi-as foneticamente e mais tarde, depois de falar com uma católica portuguesa e pedir-lhe que recitasse todas as orações a Maria em português, identifiquei a oração como “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós.”

Quando fui dormir após essa experiência, eu era alguém que não sabia praticamente nada sobre a Virgem Maria. Tudo o que eu sabia vinha de canções de natal, especialmente da canção “Noite Feliz”. Eu nunca havia tocado e muito menos aberto um Novo Testamento e nada sabia basicamente sobre o que Maria havia me revelado através dessa experiência. 

A outra coisa que quero dizer é que embora ela fosse perfeitamente linda de se ver, indescritivelmente bela, ainda mais profundamente comovente foi a beleza de sua voz, e a única maneira que posso dizer para descrevê-la é que “é composta daquilo que faz a música ser música.”

E quando ela falou e quando a beleza de sua voz fluiu através de mim, carregando consigo seu amor, isso me elevou a um estado de êxtase maior do que eu jamais imaginei que pudesse existir. Então a maioria das minhas perguntas surgiram do fato de eu estar absolutamente impressionado por quem ela era e por sua grandeza.

Mencionarei algumas perguntas, na verdade eram mais exclamações do que perguntas, por exemplo, em um ponto eu meio que gaguejei “Como pode ser, como é possível, como pode ser que você é tão gloriosa, que você você é tão magnífica, que você está tão exaltada, como pode ser?”

E a resposta dela foi apenas olhar para mim quase com pena e balançar a cabeça suavemente e dizer “Ah, não, você não entende, não sou nada, sou uma criatura, sou uma coisa criada: Ele é que é tudo!”.  

E novamente, com esse desejo de alguma forma honrá-la de forma adequada, perguntei qual título ela mais gostava para si e sua resposta foi: “Sou a filha amada do pai, mãe do filho e esposa dos Espírito Santo.”

Fiz-lhe várias outras perguntas de menor importância e ela falou comigo por mais 10 ou 15 minutos, e disse que tinha algo que queria me contar e depois disso a audiência acabou e eu voltei a dormi. Na manhã seguinte, quando acordei, eu estava perdidamente apaixonado pela Bem-Aventurada Virgem Maria e não queria nada além de ser tão total e completamente cristão quanto possível. Obviamente eu soube, por esta experiência, que o Deus que se revelou a mim há um ano atrás era Cristo.

4. A busca

Na primeira experiência eu estava completamente consciente e acordado. Na segunda, eu pensei que estava acordado, e a memória me representa como se estivesse, pois me lembro palavra por palavra do que Maria dizia, e eu inclusive me lembro de não fazer certas perguntas que gostaria de fazer. Mas hoje sei que se houvesse uma câmera no quarto ela teria me mostrado adormecido na cama durante essa experiência.   

Quando acordei eu sabia que queria ser o maos completamente cristão possível. Eu literalmente não sabia a diferença entre o protestantismo e a Igreja Católica e não havia muito que eu pudesse fazer além de abrir a lista telefônica local e começar a ir a um Igreja Protestante local.

Mas assim que conheci um pouco o pastor, eu perguntei timidamente sobre a Santíssima Virgem Maria. Entretanto, quando ele respondeu sem o respeito que eu sabia que ela merecia, eu soube que ali não era lugar para mim.

Na verdade, durante aquela experiência com ela, eu realmente vi  – e isso é difícil de descrever – mas vi como toda a graça, todos os seus dons que fluem da divindade para a humanidade, fluem através da Bem-Aventurada Virgem Maria.

Eu a via como uma espécie de canal ou canal conectando a divindade à humanidade, através da qual fluíam todas as graças e dons de Deus.  Na verdade, voltando àquela experiência, foi muito difícil para mim compreender que a Bem-Aventurada Virgem Maria era total e completamente humana e nada mais que humana por causa de sua conexão única, digamos, com a divindade que foi a motivação, dela dizer “eu não sou nada eu sou uma criatura eu sou uma coisa criada”. Ela não estava disposta a me permitir qualquer confusão sobre seu status que é completamente como uma criatura e de não ser nada mais e nada menos do que o que Deus fez.

Como eu disse, vi o extraordinário e único papel de Maria na distribuição das Graças. E então eu sabia que eu não pertencia àquela igreja protestante onde o pastor não tinha muito respeito pela Bem-Aventurada Virgem Maria. Assim eu passava todo o meu tempo livre visitando santuários marianos. Havia um santuário de Nossa Senhora de La Salette a cerca de 45 minutos de onde eu morava eu ​​ia lá três ou quatro vezes por semana para passear pelo terreno e sentir a presença da Santíssima Virgem Maria e “comungar” com ela.

Aquele santuário era mantido pela Igreja Católica e às vezes quando eu estava lá havia uma missa acontecendo e sempre que eu estava na presença de uma missa acontecendo eu ficava cheio de um desejo tremendo de receber a comunhão, embora eu literalmente não soubesse o que era.

Essas duas coisas me levaram sem muito desvio para a Igreja Católica, essencialmente sabendo quem é a Bem-Aventurada Virgem Maria e tendo um tremendo amor e devoção por ela e também querendo receber a Comunhão diariamente, se possível.

Entrando na Igreja Católica, eu não apenas não parei de ser judeu, mas posso dizer que me tornei mais judeu do que nunca, porque me tornei um judeu que seguia o Messias judeu, em vez de um judeu que se recusou essencialmente a seguir o Messias judeu e estava preso no judaísmo pré-messiânico. Na verdade, meu entendimento é que a Igreja Católica é o Judaísmo pós-messiânico e que o Judaísmo é o catolicismo pré-messiânico, que eles são um e o mesmo plano de salvação.

Devo admitir que não aceitei todo o dogma católico de imediato. Agarrei-me a muitas crenças que tinha antes dessas experiências e tenho um pouco de vergonha de dizer que, na verdade, provavelmente foi apenas cerca de um ano em meio após ter entrado na Igreja Católica e ter sido batizado, que eu finalmente percebi que tudo o que a Igreja Católica ensinava é certamente verdade, em outras palavras, tudo no dogma católico era de fato verdade.

O último ensinamento que eu estava disposto a aceitar era a Eternidade do Inferno.  Eu quase me recusei a aceitar o fato de que era possível ser condenado ao inferno por toda a eternidade. Isso simplesmente não fazia nenhum sentido para mim, não parecia ser consistente com o amor e a misericórdia de Deus e assim por diante.

E o que aconteceu foi que eu falei isso para um padre que estava me orientando e ele pareceu um pouco surpreso e disse “Mas o Dogma dele você tem que acreditar” e foi aí que as escamas caíram dos meus olhos que não cabe a mim julgar o que Deus poderia fazer ou o que poderia ser verdade. Se for ensinado como certamente verdadeiro pela Igreja Católica, então sei que é verdade, não porque faça sentido para mim, mas porque é revelado por Deus através da autoridade da Igreja Católica.

E é claro que com o tempo eu entendi por dentro a razão pela qual isso é verdade, mas tive que abandonar essa presunção, esse incrível orgulho humano de dizer que sou capaz de entender tudo o que Deus pode fazer, de que sou capaz de entender por que e o que Deus pode fazer (o que é a atitude de Lúcifer) colocando-me na posição de julgar Deus e o que é possível e razoável para Deus.

E sou infinitamente grato por ter recebido essas experiências e ter sido levado à plenitude da verdade, a um relacionamento pessoal com Deus, e chegar a saber tudo o que desejava saber desde criança. E sou grato – sem ser presunçoso – por carregar uma esperança razoável de uma eternidade de felicidade e amor na presença de Deus.

FONTE: Canal “Shalom World”. Youtube. A Harvard Professor’s Conversion to Catholicism | Roy Schoeman | Jesus, My Savior. Tradução para o português.

Santidade segundo Claire de Castelbajac

Três anos antes de falecer, escreveu: “A santidade é o Amor de viver as coisas pequenas por Deus e para Deus, com a sua graça e a sua força (…) No fundo o amor é o único sentimento digno de Deus. Converter todas as coisas em Amor supõe já uma grande dose de santidade…”

Santidade segundo Santo Afonso Maria de Ligório

“Toda santidade consiste no amor a Deus e todo amor a Deus consiste em fazer sua vontade”.

Santo afonso maria de ligório

Santidade, isto é, “pureza do coração” segundo os padres do deserto

Puritas cordis (pureza de coração) significa muito mais para os Santos Padres do que perfeição moral ou mesmo ascética. É o fim de um longo processo espiritual de transformação no qual a alma, perfeita na caridade, desapegada de todo o criado, livre de todo movimento desordenado das paixões, é capaz de viver absorta em Deus, sendo penetrada, de quando em vez, por intuições vivas de sua ação, intuições estas que tocam as profundezas dos mistérios divinos, que “abraçam” a Deus, numa íntima e secreta experiência, não só de quem Ele é, como do que está fazendo no mundo. O homem que é puro de coração não só conhece a Deus como ser absoluto, ato puro, mas o reconhece como Pai das Luzes, Pai de Misericórdias, que tanto amou o mundo que lhe deu seu Filho Unigênito para o redimir. Tal homem o conhece, não apenas pela fé, pela especulação teológica, mas por uma íntima e incomunicável experiência.

Extraído de “O pão no deserto” (Bread in the wilderness) de Thomas Merton, Editora Vozes, 2008, tradução pelas Irmãs da Companhia das Virgens, pp. 30-31.


O realismo dos santos

Em sua última obra, “A ciência da cruz”, Edith Stein (filósofa judia que se converteu ao catolicismo e que foi martirizada na 2ª guerra mundial) apresenta-nos um conceito muito iluminador, ao qual vale a pena darmos atenção.

Através do conceito de “objetividade dos santos”, a filósofa e mística denuncia que nos encontramos habitualmente fora da realidade. O caminho da santidade, por outro lado, deve ser aquele que permite instalarmo-nos na realidade. Em outras palavras, “a objetividade dos santos” é a capacidade (própria daqueles que já participam mais plenamente na terra da vida divina) em firmar-se na realidade, isto é, de captar habitualmente as coisas tais como realmente são (não só pela inteligência, mas pelo ser inteiro, isto é, pelo coração), sem desconsiderar o seu significado e seu valor próprios.

Tal capacidade contrasta com a nossa habitual indiferença, que muitas vezes indica o quão distantes estamos da realidade. Por isso, chamamos muitas vezes a ilusão de verdade, e a verdade de ilusão. Para estar na verdade, porém, é preciso compreendermos as coisas plenamente, isto é, em toda sua extensão.

Vejamos o que diz Stein a este respeito:

Existem sinais naturalmente perceptíveis a indicar que a natureza humana, tal qual a conhecemos, encontra-se em estado decaído. Daí a incapacidade de aprendermos intimamente os fatos segundo seu verdadeiro valor e de reagirmos adequadamente a eles. […] O exemplo dado pelos santos mostra o que deveria acontecer: quando de fato se crê, as verdades da Fé e as obras maravilhosas de Deus tornam-se conteúdo da vida, a ponto de as demais coisas perderem importância ou receberem também a marca desse conteúdo. É a isto que chamamos “objetividade dos santos”, expressão que designa a receptividade interna e primária da alma, renascida pelo Espírito Santo. Tudo quanto se aproximar dessa alma será apropriadamente captado, com profunda sensibilidade. Nela existe uma energia livre, por um lado , de falsas inibições e empecilhos, e dotada, por outro, de sutileza, vitalidade e impressionabilidade suficientes para lhe permitirem ser fácil e prazerosamente plasmada e dirigida por aquilo que acolher. As energias da alma, ao se aproximarem nessas condições das verdades da Fé, chegam à ciência dos santos. E o mistério da cruz, ao tornar-se forma interior, converte-se em ciência da cruz.”

STEIN, Edith. Ciência da Cruz. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 12-13.

As duas orientações fundamentais de vida

Viver para si ou viver para o outro: eis as duas orientações fundamentais de vida, isto é, os dois possíveis centros habituais de nossos pensamentos, preocupações, desejos e ações.

Viver para mim mesmo, o que isso significa? Significa que sou o centro habitual do meu próprio mundo; estou fechado para o outro, seja este outro o próximo ou Deus. Toda minha vida é um esforço constante para a auto-realização, para o meu sucesso pessoal, para alcançar a minha própria vitória.

Viver para o outro, por outro lado, significa: esqueço constantemente de mim mesmo. Não sou o centro do meu próprio mundo. Saio de mim e estou aberto para o outro. Sei renunciar às minhas vontades e aos meus caprichos em favor do outro. Além disso, a minha vitória pessoal não é imaginável se os outros não puderem participar de algum modo desta vitória.

Ora, a vida cristã implica numa mudança da primeira para a segunda orientação. Infelizmente, estamos naturalmente inclinados a vivermos para nós mesmos, isto é, no egoísmo. Sem a vida da graça, não conseguiríamos realizar esta conversão de vida. É preciso um auxílio sobrenatural.

Esta conversão, metanoia no grego, carrega um sentido de mudança de pensamento ou coração (meta: mudança; noia: pensamento e coração, pois na linguagem bíblica o coração é a sede do pensamento). No sentido cristão da palavra, falamos de uma mudança radical de vida que nos abre para o outro, isto é, para uma vida na caridade.

Um poderoso símbolo desta abertura é o coração chagado de Jesus, ferido de amor por nós. Por meio desta ferida, podemos estar seguros que a vida de Deus não é um círculo fechado em si mesmo, mas abertura da qual jorra um fluxo incessante de amor que sai de Deus e alcança os homens, atraindo-os constantemente para si e fazendo-os participar de sua vida divina. (Veja a imagem de Jesus misericordioso que Deus pediu à Santa Faustina que fosse pintada).

Santidade segundo Santa Faustina Kowalska

Nem graças, nem aparições, nem êxtases, ou qualquer outro dom que lhe seja concedido torna a alma perfeita, mas sim a união íntima com Deus. (…) A minha santidade e perfeição consistem na união estreita da minha vontade com a vontade de Deus”

dIÁRIO DE SANTA FAUSTINA, 1107.

Há uma palavra a que eu dou especial atenção – escreveu Ir. Faustina no Diário – e que continuamente pondero; essa única palavra é tudo para mim, com ela vivo e com ela morro – é a santa vontade de Deus. Ela é meu alimento cotidiano. Toda a minha alma está concentrada nos desejos Divinos e faço sempre o que Deus exige de mim, embora, muitas vezes, a minha natureza possa tremer e sentir que a Sua grandeza ultrapassa as minhas forças”.

Diário de Santa Faustina, 652.

A concreção de Deus em nossa vida

Um grande problema da vida espiritual consiste na dificuldade em estabelecermos uma relação plenamente pessoal com Deus, isto é, tratar a Deus como o ser essencialmente pessoal que Ele é. De fato, o que não ocorre em nossa relação com as outras pessoas, isto é, começar a tratá-las de repente como se fossem seres inanimados, pode não obstante acontecer em nossa relação com Deus.

Por conta desta dificuldade, quantas vezes não nos colocamos inadequadamente na presença de Deus na oração, especialmente na adoração eucarística de Cristo? Assim, nos dirigimos à Deus na oração e nos esquecemos que estamos falando verdadeiramente com Deus. Perdemos consistência e coerência em nossa oração, pois começamos a falar e interrompemos, iniciamos um assunto e não damos continuidade… como se Ele não estivesse realmente presente nem nos escutando, ou como se falássemos a nós mesmos. Mas imagine se falássemos a alguém e de repente, sem mais nem menos, déssemos as costas no meio da conversa! Ou então se começássemos a falar algo e de repente, sem explicação, pulássemos aleatoriamente de um assunto para o outro?

Quantas vezes, na adoração eucarística, não nos comportamos inadequadamente diante de Cristo? Representamos um Jesus inanimado e sem vida e nos esquecemos que na hóstia consagrada sua presença é real e efetiva! Seja por falta de fé ou fraqueza (desatenção ou ignorância) esquecemos disto: que Deus, que verdadeiramente é, está vivo e pulsante diante de nós, seja no tabernáculo, seja no ostensório, quando é exposto. Os grandes milagres eucarísticos, como aquele de Buenos Aires e Lanciano, testemunham que Jesus está vivo na hóstia consagrada, e é o seu coração que ainda pulsa.

A causa desta problema pode originar-se também da precariedade da imagem de Deus que acionamos habitualmente em nossas almas. Precisamos recordar-nos sempre que Deus não é uma força impessoal do universo que atua em nosso favor, ou uma ideia em nossa cabeça (uma ideia com a qual nos relacionamos e comunicamos), ou então uma projeção inconsciente de nossa essência humana, tal como defendia o ateu Ludwig Feuerbach. Deus é verdadeiramente pessoa, e em um sentido que supera toda nossa compreensão analógica da pessoalidade divina com relação à pessoalidade humana.

Portanto, em um sentido muito mais pleno do que a pessoa humana, Deus é pessoa. E se Deus é pessoa, ele merece em um grau muito mais elevado tudo aquilo que dedicamos à pessoa por sua dignidade própria, e quanto mais Ele seja digno de todo nosso amor. Isso inclui portanto, dirigir-se de modo amoroso à pessoa, agradá-la, e ser carinhoso – sim, ser carinhoso! Deus é nosso Pai, não nos esqueçamos. Não se trata de sentimentalismos, mas de um fato: Deus é um coração que sofre e arde por amor por nós! E não nos esqueçamos que o mesmo aplica-se a Nossa Senhora, cujo Imaculado Coração bate no mesmo compasso e ritmo do que o de nosso Senhor Jesus Cristo.

Esses problemas fundamentais de relacionamento que temos com Deus na oração não ocorrem simplesmente porque nosso conhecimento é limitado, mas também porque nos iludimos com uma impressão recorrente de que nossa relação com Deus é assimétrica. Em outras palavras, na oração às vezes parece que somos nós é que estamos sempre falando e Deus sempre escutando. Com isso às vezes se tem a impressão de estar “falando às paredes”. Como já dissemos acima: grande falta de fé e fraqueza humana! Assim, Deus parece ocultar-se sempre em seu profundo e intermitente silêncio. Em verdade, em verdade, porém, Deus está presente, e mais – está nos falando, porque é Ele quem nos fala sempre por primeiro.

Atentemo-nos para isto: toda nossa oração é originariamente uma resposta. Se oramos é porque fomos primeiramente chamados: 1. à existir, e existir como seres humanos racionais e inteligentes, e portanto capazes de orar; 2. a conhecer Deus pela razão e pela revelação; 3. dirigir-nos a Ele através da iniciativa espiritual, e portanto livre, da oração.

Se modelarmos portanto nossa vida à estas verdades, Deus deverá concrescer em nossas almas. A concreção de Deus significa: Deus se tornará cada vez mais concreto para nós. De fato, quanto mais amamos uma pessoa, mais ela cresce em nós e conosco (con.crescer: crescer com). Ela se torna mais real para nós, isto é, mais o seu ser, e o seu modo de ser presentemente nos importa, nos toca, nos afeta.

Se mesmo assim insistíssemos neste ponto, acusando Deus de silenciar-se, deveríamos nos lembrar com São João da Cruz que, tudo aquilo que Deus tinha para nos dizer Ele já nos disse através da sua Palavra, o Logos, o Verbo Divino e Encarnado, nosso Senhor Jesus Cristo. Nossa tarefa é finalmente escutar, obedecer, assimilar profundamente e a partir de nossa vida esta verdade fundamental: que Deus se fez homem, habitou entre nós, e ensinou-nos qual é o Caminho, a Verdade, e a Vida. Nossa tarefa é imitá-lo até as últimas consequências, de modo a ir pouco a pouco descomplicando todas as coisas, a ponto de que nossa vida seja tão simples quanto o viver de uma só verdade, isto é, da verdade de que afinal só Ele basta, porque ele é Tudo, ou melhor, o nosso Tudo, o nosso “unum necessarium”.

Sobre compadecer-se e compreender o próximo que sofreu um grande mal, e sobre como perdoar os algozes

É muito fácil falar do mal em abstrato. Mas, quando somos nós mesmos que o sofremos, é como se só a partir de então ele se tornasse real. Antes era uma ideia na cabeça, agora uma realidade diante de nós e dentro de nós… realidade essa às vezes tão física quanto um objeto que se pega e se toca com as mãos.

Como, então, compreender o mal sofrido por outrem? Ora, cada mal tem um objeto próprio e é sempre uma privação a cada vez diferente. A dor da ausência que o mal provoca é também matizada pelo próprio indivíduo, a partir da relação única que ele tem com esse mal. Porque o mal atinge a todos (a Igreja como corpo místico de Cristo) mas de modo mais particular a este ou aquele indivíduo, como uma doença que atinge principalmente um órgão do corpo mas que finalmente acaba prejudicando todo o corpo. E esse mal precisa ser expiado, e nós podemos ter certeza de que corpo místico glorioso (aquele que vai para o céu) estará totalmente purificado. É por isso que são Paulo dizia: “completo em minha carne sofrimentos que faltam ao sofrimento de Cristo”. Em outras palavras, os sofrimentos ainda não expiados do corpo místico de Cristo precisam se completar para que este corpo possa entrar na Jerusalém celeste.

Mas então, como compreender esse indivíduo que sofre um mal, e compreendê-lo de modo particular? Não dá pra compreender sem ao mesmo tempo sofrê-lo, partilhá-lo. Somente compreende quem se compadece, e quem se compadece, compadece porque compreende. A compaixão é um ato bem específico . É algo que alivia o sofrimento de quem é compadecido. Porque é realmente um sofrer-com. Trata-se de colher o sofrimento do outro na intenção de partilhar desse sofrimento para torná-lo mais leve para quem o sofre.

Agora, como perdoar aquele que praticou contra nós um grande mal? Perdoar alguém não significa anular a pessoa que nos praticou o mal. É claro que podemos em um primeiro momento combater o mal evitando pensar nele e também na pessoa que o cometeu. Isto ainda não é perfeito, mas é claramente mais perfeito do que desejar o mal para quem nos praticou o mal. Este anular pode ser um momento dentro de um caminhar em direção a um perdão mais perfeito que deverá se dar no futuro. Porque Deus nos perdoou de coisas muito piores, então, se nós não perdoarmos o outro por coisas menores, corremos o terrível risco de sermos jogados no inferno, exatamente como aquela parábola do homem que tem uma dívida perdoada mas que logo depois não perdoa uma dívida menor. Então o senhor se ira contra ele….

Devemos ter em mente que a pior consequência possível de alguém ter sofrido um grande mal é a de desejar o inferno para aquele que nos feriu. Isso se dá porque o ápice do ódio é saber exatamente o que é o inferno e desejá-lo para o outro. É um ódio demoníaco porque só o demônio o tem por completo, por ser o mais corrompido e o mais perdido de todos… Além disso, o inferno é uma realidade que supera toda imaginação, de modo que seríamos injustos ao desejarmos o pior de todos os males àquela pessoa que não pôde cometer contra nós senão um mal limitado. Com efeito, tamanha é a benevolência de Deus, que Ele não permite que nos ocorram males maiores do que aqueles que nos são suportáveis.

Amar com o amor de Jesus… Esse é o complemento fundamental daquele mandamento que é dito resumir todos os demais. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” – isso os judeus já tinham. Mas amar como Jesus amou isso não é próprio de nenhum judeu, mas de um cristão. Desse modo penso que Cristo não mandou que nós fôssemos indiferentes aos inimigos, mas que os amássemos… Como amar quem nos fez muito, muito mal? Seria hipocrisia da nossa parte afirmar que há resposta imediata ou uma fórmula para esta tão dramática questão. No entanto, arriscaria dizer que uma coisa que ajuda muito é ir progressivamente assimilando o quanto aquilo que aconteceu realmente foi transfigurado pelo amor de Deus em grandes graças. O algoz se torna então um colaborador na nossa santificação. Afinal “Tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus”.

Tenho essa convicção que as maiores graças de Deus vem no sofrimento, já que as maiores graças são aquelas que melhor nos configuram a Cristo, e ninguém se configura melhor a Cristo do que quem aprende a imitá-lo na sua paixão, isto é, aprende a se sacrificar pelo outro por obediência (Deus mandou perdoarmos, então perdoar é em primeiro lugar um gesto de obediência).

Santidade segundo o beato Filipe Rinaldi

“Ser santo, quer dizer: fazer a vontade de Deus… a vontade de Deus faz-se cumprindo perfeitamente o dever a todas as horas do dia”.

Do Pe. filipe Rinaldi, o P. Francésia, salesiano da primeira geração.

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