Se o homem não construir sua morada… não terá onde habitar.
Grande fonte de sabedoria é meditar sobre a finitude humana. “Conhece a ti mesmo“, dizia o oráculo de Delfos. Eis-nos pois, diante de um dos mais impactantes fatos acerca de nossa condição humana: a temporalidade. Somos seres temporais, isto é, habitantes do tempo – escorregamos sem cessar entre o passado e o futuro e nosso presente é sempre uma fração fugaz de um todo maior. Por isso, em cada instante, o homem só pode isto ou aquilo, atualizando um número finito de potencialidades e abdicando por ora das demais. Nosso presente é como uma lupa que se concentra ora sobre esta, ora sobre aquela coisa e assim sucessivamente. Este escorregar inevitável do homem constitui um dos elementos mais fundamentais da estrutura de todas suas vivências, e é o que denominamos por este nome “tempo”.
Sem dúvida o “tempo” é um grande mistério. Ainda assim, ele ilumina nossa compreensão do homem. O homem é este ser que inquieto, transita sem cessar, não tem repouso. Por causa desta sua natureza que transita constantemente, o homem descobre uma vocação fundamental: ele é um ser chamado à urgência de uma tarefa – a tarefa de construir.
É no cumprimento desta tarefa que o homem transcende a finitude do instante. Se ele deve viver, então, a cada instante concentrado sobre isto ou aquilo, porquanto esta é a própria estrutura de suas vivências, é necessário que ele estenda seus esforços no tempo a fim de construir algo que possa transcender a caducidade desta finitude. Sua obra custará e valerá então, o somatório de muitos instantes reunidos.
Ora, o que é isto, construir? Sabemos que nenhuma grande obra se faz do dia para noite. Toda construção é um processo gradual que toma várias etapas e exige do homem um empenho ordenado que se dobra e se concentra repetidamente sobre o que deve realizar. Ao cabo de muitas tarefas, ele chega talvez a realizar “a grande tarefa”, porquanto para construir, por exemplo, uma casa, o homem precisa atravessar muitas etapas – conquistar e reunir recursos, projetar, lançar os fundamentos e ir avançando parte por parte até concluir a obra como um todo. Ademais, quando chega também a concluir essa construção, não se exclui a necessidade de ter que reformá-la muitas vezes.
O que é, então que deve o homem construir? O impressionante sobre o homem é isto: a obra capital de sua vida não é nada que esteja fora dele. Sua opus magnum é ele próprio. Em outras palavras: ele precisa construir-se. Esta é, afinal, a tarefa de uma vida, isto é, a tarefa de toda sua vida.
Por isso recordemo-nos que “De facto não temos aqui na Terra uma morada permanente, mas buscamos a cidade que há de vir.” (Hb 13:14). Se nossa morada não é na terra, mas nos céus, então quem são os habitantes do céu? Habitante do céu, muito naturalmente, é todo aquele que lá tem morada. E estamos a construi-la, neste exato momento. De que modo, porém? A cada vez que escolhemos entre o bem e o mal, isto é, entre Deus e o nada, estamos construindo ou não construindo nossa morada. Em verdade, não apenas não construímos, mas também muitas vezes destruímos o que já construímos ou aquilo que foi em nós construído.
Com efeito, a nossa obra não é um fazer do nada (ex nihilo), mas somos em verdade chamados a sermos cooperadores da obra de Deus. Não temos aqui autoria exclusiva; muito pelo contrário – o que temos é o que recebemos. Tudo vem da graça de Deus, que realiza a obra com nossa cooperação. A liberdade nos foi dada, e a sua posse implica na possibilidade de não cooperar na obra da construção, e de até mesmo atrapalhá-la.
Para que isso não ocorra, devemos edificar nossa morada sobre a rocha que é Cristo. Cristo é o que em nossas obras permanecerá… isto é, tudo o que se faz em Cristo, com Cristo e por Cristo, durará para sempre, pois Cristo é Deus, Deus é amor, e “a caridade jamais acabará.” (1Cor 13:8)