Um grande problema da vida espiritual consiste na dificuldade em estabelecermos uma relação plenamente pessoal com Deus, isto é, tratar a Deus como o ser essencialmente pessoal que Ele é. De fato, o que não ocorre em nossa relação com as outras pessoas, isto é, começar a tratá-las de repente como se fossem seres inanimados, pode não obstante acontecer em nossa relação com Deus.
Por conta desta dificuldade, quantas vezes não nos colocamos inadequadamente na presença de Deus na oração, especialmente na adoração eucarística de Cristo? Assim, nos dirigimos à Deus na oração e nos esquecemos que estamos falando verdadeiramente com Deus. Perdemos consistência e coerência em nossa oração, pois começamos a falar e interrompemos, iniciamos um assunto e não damos continuidade… como se Ele não estivesse realmente presente nem nos escutando, ou como se falássemos a nós mesmos. Mas imagine se falássemos a alguém e de repente, sem mais nem menos, déssemos as costas no meio da conversa! Ou então se começássemos a falar algo e de repente, sem explicação, pulássemos aleatoriamente de um assunto para o outro?
Quantas vezes, na adoração eucarística, não nos comportamos inadequadamente diante de Cristo? Representamos um Jesus inanimado e sem vida e nos esquecemos que na hóstia consagrada sua presença é real e efetiva! Seja por falta de fé ou fraqueza (desatenção ou ignorância) esquecemos disto: que Deus, que verdadeiramente é, está vivo e pulsante diante de nós, seja no tabernáculo, seja no ostensório, quando é exposto. Os grandes milagres eucarísticos, como aquele de Buenos Aires e Lanciano, testemunham que Jesus está vivo na hóstia consagrada, e é o seu coração que ainda pulsa.
A causa desta problema pode originar-se também da precariedade da imagem de Deus que acionamos habitualmente em nossas almas. Precisamos recordar-nos sempre que Deus não é uma força impessoal do universo que atua em nosso favor, ou uma ideia em nossa cabeça (uma ideia com a qual nos relacionamos e comunicamos), ou então uma projeção inconsciente de nossa essência humana, tal como defendia o ateu Ludwig Feuerbach. Deus é verdadeiramente pessoa, e em um sentido que supera toda nossa compreensão analógica da pessoalidade divina com relação à pessoalidade humana.
Portanto, em um sentido muito mais pleno do que a pessoa humana, Deus é pessoa. E se Deus é pessoa, ele merece em um grau muito mais elevado tudo aquilo que dedicamos à pessoa por sua dignidade própria, e quanto mais Ele seja digno de todo nosso amor. Isso inclui portanto, dirigir-se de modo amoroso à pessoa, agradá-la, e ser carinhoso – sim, ser carinhoso! Deus é nosso Pai, não nos esqueçamos. Não se trata de sentimentalismos, mas de um fato: Deus é um coração que sofre e arde por amor por nós! E não nos esqueçamos que o mesmo aplica-se a Nossa Senhora, cujo Imaculado Coração bate no mesmo compasso e ritmo do que o de nosso Senhor Jesus Cristo.
Esses problemas fundamentais de relacionamento que temos com Deus na oração não ocorrem simplesmente porque nosso conhecimento é limitado, mas também porque nos iludimos com uma impressão recorrente de que nossa relação com Deus é assimétrica. Em outras palavras, na oração às vezes parece que somos nós é que estamos sempre falando e Deus sempre escutando. Com isso às vezes se tem a impressão de estar “falando às paredes”. Como já dissemos acima: grande falta de fé e fraqueza humana! Assim, Deus parece ocultar-se sempre em seu profundo e intermitente silêncio. Em verdade, em verdade, porém, Deus está presente, e mais – está nos falando, porque é Ele quem nos fala sempre por primeiro.
Atentemo-nos para isto: toda nossa oração é originariamente uma resposta. Se oramos é porque fomos primeiramente chamados: 1. à existir, e existir como seres humanos racionais e inteligentes, e portanto capazes de orar; 2. a conhecer Deus pela razão e pela revelação; 3. dirigir-nos a Ele através da iniciativa espiritual, e portanto livre, da oração.
Se modelarmos portanto nossa vida à estas verdades, Deus deverá concrescer em nossas almas. A concreção de Deus significa: Deus se tornará cada vez mais concreto para nós. De fato, quanto mais amamos uma pessoa, mais ela cresce em nós e conosco (con.crescer: crescer com). Ela se torna mais real para nós, isto é, mais o seu ser, e o seu modo de ser presentemente nos importa, nos toca, nos afeta.
Se mesmo assim insistíssemos neste ponto, acusando Deus de silenciar-se, deveríamos nos lembrar com São João da Cruz que, tudo aquilo que Deus tinha para nos dizer Ele já nos disse através da sua Palavra, o Logos, o Verbo Divino e Encarnado, nosso Senhor Jesus Cristo. Nossa tarefa é finalmente escutar, obedecer, assimilar profundamente e a partir de nossa vida esta verdade fundamental: que Deus se fez homem, habitou entre nós, e ensinou-nos qual é o Caminho, a Verdade, e a Vida. Nossa tarefa é imitá-lo até as últimas consequências, de modo a ir pouco a pouco descomplicando todas as coisas, a ponto de que nossa vida seja tão simples quanto o viver de uma só verdade, isto é, da verdade de que afinal só Ele basta, porque ele é Tudo, ou melhor, o nosso Tudo, o nosso “unum necessarium”.
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