Ao iniciar a leitura da Suma Teológica antes de ontem me vi tomado por um certo desânimo, com o qual logo me encontrei em vias de arrolar todos os motivos que tenho para desistir desde já deste projeto. Afinal, pensei comigo: a) A Suma é tão grande e eu, tão pequeno; b) Tomás é um gênio, e eu, tão limitado; c) A Suma tem tantas páginas, e eu, tantos afazeres.
Mas eis que hoje à noite me vi inspirado por certos pensamentos que quero agora compartilhar. Em primeiro lugar me vi a perguntar:
Quantas coisas será que terei que deixar inacabadas ao morrer?
E logo essa pergunta se tornou outra, a meu ver mais importante:
Quais são as coisas que eu não posso de forma alguma deixar inacabadas?
E com isso fui me sentindo mais aliviado, até o ponto de ficar feliz. Mas o que aconteceu com minha angústia?
Preciso reconhecer que recebi uma valiosa ajuda de um grande autor espiritual, o Lorenzo Scupoli, que em minha leitura espiritual diária pela manhã me serviu como aquela “voz de Deus que fala pelas criaturas“: no Capítulo 20 de sua obra “O combate espiritual”, Lorenzo ensina-nos como “atomizar” nossas dificuldades. Assim, quando estamos desanimados por uma tarefa muito grande e difícil, devemos fazer uma operação psíquica de divisão. Como assim? Pegamos o que é complexo e dividimos em partes menores. Como manobra adicional, focamos nossa atenção toda nessa tarefa, com se estivéssemos a imaginar que não temos outra tarefa a realizar senão aquela com a qual nos ocupamos neste momento.
Assim, nos aliviamos daquela ansiedade que sentimos ao iniciar uma tarefa já pensando em tudo o que ainda não realizamos, isto é, aquilo que ainda temos por fazer. Mas esse pensamento é fonte de muita angústia, porque, ainda que avancemos bastante, não nos sentimos nunca satisfeitos, visto que a balança dos nossos feitos pesa sempre contra nós, isto é, há sempre muito mais coisas que temos que deixar inacabadas hoje do que realmente terminadas. E detalhe: precisamos ir dormir com isso, todos os dias.
Foi então que um outro pensamento me invadiu, penso que sob a influência de Santa Teresinha, esta santa da “pequena via”, que sempre esteve tão próxima de mim, visto que moro há 27 anos perto de uma paróquia que leva seu nome.
Santa Teresinha me ensinou que talvez o mais importante não seja fazer muitas coisas, mas fazê-las bem, sejam elas pequenas ou grandes, oferecendo-as todas como oferta agradável a Deus. Desse modo tudo estará, ao final do dia, completo, ainda que faltem muitas coisas por fazer. É que o que realmente importa não é terminar de realizar todos nossos projetos , pois de nada adiantaria terminá-los se eles não tivessem o preenchimento correto – seriam ocos. Com efeito “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela.” (Sl 127)
Mas o que é isto que deve preencher tudo o que fazemos? Suspeito que haja alguma coisa que devemos colocar em tudo o que fazemos, da menor até a maior. Em uma comparação simples, é como fosse uma substância secreta, um ingrediente fundamental que torna todas coisas que fazemos preciosas. É uma palavra importante demais para que seja dita de novo como se fosse algo que nós já compreendemos e estamos fartos de ouvir. É a palavra mais importante e mais gasta de todas, e por isso não a direi, pois imagino que vocês já saibam bem do que estou falando.
Lembro-me agora de alguns desenhos que fiz para meus pais quando era criança. Eram todos muito toscos e muito iguais. Retratavam uma família de palitinhos felizes com o sol sorrindo no fundo, um coração e uma casinha mal desenhada… Pergunto-me porquê. Mas meus pais não pareciam se incomodar. Afinal, eles não estavam preocupados com a técnica artística empregada. Eles amavam os desenhos – prova disso é que ou guardavam com carinho ou então colavam na porta de seus armários – justamente por serem tão toscos, e ao mesmo tempo, tão significativos.
Acho que Deus é mais ou menos como meus pais. Tudo o que temos pra oferecer a Deus é sempre muito tosco comparado ao que ele mesmo é e já possui. No entanto, ele não me parece incomodar-se com isso. Pelo contrário, gosto de pensar que ele coleta cada pequeno presente tosco que oferecemos para ele com muito cuidado e carinho, e guarda-os em seu coração. Gosto também de pensar que talvez algum dia Ele irá nos mostrar de novo cada um desses presentes que demos para Ele. Meu receio, porém, é que nesse dia nós nos sintamos muito tristes por ter dado tão pouco a um Pai que merecia tanto, e que recolhia cada pequeno presente nosso com tanto amor e carinho.
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