É muito fácil falar do mal em abstrato. Mas, quando somos nós mesmos que o sofremos, é como se só a partir de então ele se tornasse real. Antes era uma ideia na cabeça, agora uma realidade diante de nós e dentro de nós… realidade essa às vezes tão física quanto um objeto que se pega e se toca com as mãos.
Como, então, compreender o mal sofrido por outrem? Ora, cada mal tem um objeto próprio e é sempre uma privação a cada vez diferente. A dor da ausência que o mal provoca é também matizada pelo próprio indivíduo, a partir da relação única que ele tem com esse mal. Porque o mal atinge a todos (a Igreja como corpo místico de Cristo) mas de modo mais particular a este ou aquele indivíduo, como uma doença que atinge principalmente um órgão do corpo mas que finalmente acaba prejudicando todo o corpo. E esse mal precisa ser expiado, e nós podemos ter certeza de que corpo místico glorioso (aquele que vai para o céu) estará totalmente purificado. É por isso que são Paulo dizia: “completo em minha carne sofrimentos que faltam ao sofrimento de Cristo”. Em outras palavras, os sofrimentos ainda não expiados do corpo místico de Cristo precisam se completar para que este corpo possa entrar na Jerusalém celeste.
Mas então, como compreender esse indivíduo que sofre um mal, e compreendê-lo de modo particular? Não dá pra compreender sem ao mesmo tempo sofrê-lo, partilhá-lo. Somente compreende quem se compadece, e quem se compadece, compadece porque compreende. A compaixão é um ato bem específico . É algo que alivia o sofrimento de quem é compadecido. Porque é realmente um sofrer-com. Trata-se de colher o sofrimento do outro na intenção de partilhar desse sofrimento para torná-lo mais leve para quem o sofre.
Agora, como perdoar aquele que praticou contra nós um grande mal? Perdoar alguém não significa anular a pessoa que nos praticou o mal. É claro que podemos em um primeiro momento combater o mal evitando pensar nele e também na pessoa que o cometeu. Isto ainda não é perfeito, mas é claramente mais perfeito do que desejar o mal para quem nos praticou o mal. Este anular pode ser um momento dentro de um caminhar em direção a um perdão mais perfeito que deverá se dar no futuro. Porque Deus nos perdoou de coisas muito piores, então, se nós não perdoarmos o outro por coisas menores, corremos o terrível risco de sermos jogados no inferno, exatamente como aquela parábola do homem que tem uma dívida perdoada mas que logo depois não perdoa uma dívida menor. Então o senhor se ira contra ele….
Devemos ter em mente que a pior consequência possível de alguém ter sofrido um grande mal é a de desejar o inferno para aquele que nos feriu. Isso se dá porque o ápice do ódio é saber exatamente o que é o inferno e desejá-lo para o outro. É um ódio demoníaco porque só o demônio o tem por completo, por ser o mais corrompido e o mais perdido de todos… Além disso, o inferno é uma realidade que supera toda imaginação, de modo que seríamos injustos ao desejarmos o pior de todos os males àquela pessoa que não pôde cometer contra nós senão um mal limitado. Com efeito, tamanha é a benevolência de Deus, que Ele não permite que nos ocorram males maiores do que aqueles que nos são suportáveis.
Amar com o amor de Jesus… Esse é o complemento fundamental daquele mandamento que é dito resumir todos os demais. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” – isso os judeus já tinham. Mas amar como Jesus amou isso não é próprio de nenhum judeu, mas de um cristão. Desse modo penso que Cristo não mandou que nós fôssemos indiferentes aos inimigos, mas que os amássemos… Como amar quem nos fez muito, muito mal? Seria hipocrisia da nossa parte afirmar que há resposta imediata ou uma fórmula para esta tão dramática questão. No entanto, arriscaria dizer que uma coisa que ajuda muito é ir progressivamente assimilando o quanto aquilo que aconteceu realmente foi transfigurado pelo amor de Deus em grandes graças. O algoz se torna então um colaborador na nossa santificação. Afinal “Tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus”.
Tenho essa convicção que as maiores graças de Deus vem no sofrimento, já que as maiores graças são aquelas que melhor nos configuram a Cristo, e ninguém se configura melhor a Cristo do que quem aprende a imitá-lo na sua paixão, isto é, aprende a se sacrificar pelo outro por obediência (Deus mandou perdoarmos, então perdoar é em primeiro lugar um gesto de obediência).
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